Sunday, June 5, 2011

Uma nova página na política portuguesa

Portugal vira hoje uma página na sua história política. Depois de duas décadas e meia de uma democracia despreocupada, concentrada nos resultados económicos do trimestre corrente, Portugal enfrenta agora uma realidade bem diferente. Os portugueses vivem sem dúvida melhor, têm hoje uma afluência muito superior à que tinham em 1985, mas a economia portuguesa é incomparavelmente mais frágil. Foram 25 anos em que o sector primário da economia foi reduzido a uma mera caricatura, tendo o sector secundário sido exportado para Ásia; no contexto económico e geográfico de Portugal esta estrutura não tem actualmente qualquer hipótese de sobrevivência. O modelo económico implementado desde a integração na CEE pode ser hoje declarado como um rotundo falhanço.

Hoje Portugal elege um novo governo cuja principal função será cumprir com as condicionantes impostas pelos seus credores. A política portuguesa será doravante completamente diferente da que se viveu nestas duas décadas e meia douradas, menos independente, menos popular, menos solidária.

Como chegou aqui Portugal? Muitas respostas se ouvem para esta pergunta, com facilidade culpabilizando este ou aquele partido político. No entanto ninguém poderá negar que o défice comercial (diferença entre o que o país exporta e o que importa) teve um papel crucial no desenrolar desta tragédia. A política económica falhada seguida pelos sucessivos governos e instituições europeias teve sempre como resultado a consolidação, ou mesmo o agravamento, do desequilíbrio entre o que Portugal produz e o que consome. E qual é o maior componente deste défice? A Energia, à qual acrescem os produtos agrícolas que não são mais que uma forma alternativa de importar energia.

De quando em vez algum político lembra-se deste problema e imediatamente fala em exportações, “aumentando a venda de produtos para o exterior, Portugal poderá equilibrar as suas finanças”. O problema é que importando todos os combustíveis fósseis que consome e sem sector primário da economia, qualquer aumento da actividade industrial implica um aumento do consumo de energia e matérias primas e logo das importações. A agravar esta situação está a política de transportes seguida nos últimos 25 anos, com objectivos bem definidos de aumentar a dependência nos combustíveis fósseis, desmantelando ferrovia e sarjando o país de alcatrão. A aposta cega nas exportações é uma tentativa inútil de tentar resolver um problema com a mesma lógica que o criou.

Na última sessão da Assembleia da República antes da sua dissolução os deputados aprovaram por larga maioria uma recomendação ao Governo para que este subscreve o Protocolo da Exaustão. Instrumento político proposto pela ASPO há alguns anos atrás, simplesmente compromete de forma unilateral os seus subscritores à redução do consumo de petróleo em taxa igual à da exaustão das reservas mundiais de crude, desta forma proporcionando uma adaptação gradual à escassez da maior fonte mundial de energia. Votada sem debate, no meio de um sem número de resoluções aprovadas em contra-relógio e dirigida a um Governo demissionário, terá sido um acto pouco dignificante. Ainda assim está de parabéns o PCP por ter trazido a temática a terreiro.

Mas que significado tem a aprovação desta resolução? Entre 2005 e 2009 o consumo de petróleo em Portugal caiu 20%; a razão foi simples: a recessão económica, imposta em primeira instância pela crise internacional do crédito e depois pela crise da dívida soberana nacional, ambas despoletadas pela escalada dos preços da energia. É sem dúvida sintomático: a inépcia política que trouxe Portugal até aqui provoca também a sua agonia económica. A cultura da super-dependência no petróleo (do qual Portugal extraí mais de metade da energia que consome) colocou o país na dianteira daqueles mais vulneráveis à escassez desta energia.











Consumo de petróleo em Portugal segundo a Agência de Informação de Energia dos EUA.




Se o Governo que sair destas eleições não for capaz de refundar Portugal noutro paradigma económico, consentâneo com a realidade do século XXI, certamente que os credores por cá permanecerão para outra legislatura. E outra mais talvez, até que o país empobreça o suficiente para equilibrar a sua balança comercial, reduzindo o consumo de energias fósseis a uma mera fracção dos níveis de hoje.

É preciso reinventar Portugal. Terá de ser um país forçosamente diferente, com menos facilidades e mais responsabilidades, com menos individualidade e mais comunidade, com menos fausto e mais sobriedade. Mas será um país mais robusto e preparado para o século XXI, e provavelmente um sítio melhor para se viver.